Cultura é fundamental

O INCITI/UFPE se dedica à pesquisa sobre as cidades, buscando incitar, junto a diversos setores da sociedade, conhecimentos capazes de transformar a vida nestes territórios. Sendo a urbe este organismo complexo, formado por sistemas diversos, imbricados e interligados, lidamos com diversos saberes, como a Arquitetura, o Urbanismo, a Sociologia, a Biologia, a Comunicação, o Direito, a Tecnologia, a Economia e a Cultura.

Cultura e cidades é uma dupla que pode ainda causar estranhamento a alguns, apesar de, quase que como um mantra, ter sido repetido durante anos que é preciso referendar o tema como eixo estruturante na constituição do meio urbano e na elaboração e implementação das políticas públicas. Cultura é essência, é fundação. É a partir desse conjunto de relações sociais e patrimônios simbólicos historicamente compartilhados que se estabelece a comunhão dentro de uma sociedade. É por meio da Cultura que podemos nos aproximar do outro, compreender as identidades locais e desenvolver conjuntamente um espaço vívido.

É com indignação e tristeza que recebemos a notícia da extinção do Ministério da Cultura. Cultura não é só entretenimento e lazer. É geração de trabalho, educação, conhecimento, cidadania. Quantas transformações nas cidades se tornaram possíveis em territórios onde vigoravam a violência, o tráfico, a evasão escolar, graças a iniciativas, ações e políticas culturais?

A maioria dos trabalhadores da cultura não tem emprego formal, com registro em carteira ou mesmo outro tipo de contratação. Estes trabalhadores podem ser artistas, técnicos, produtores, iluminadores, entre outros. De acordo com os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2015 eram mais de 1,6 milhão de trabalhadores atuando no setor (1). Em 2013, dos 49 milhões de trabalhadores com carteira assinada no país, 222 mil pertenciam ao setor cultural. Em relação aos empreendimentos, dos mais de 6 milhões, 60 mil são de cultura. O investimento em Cultura pelos governos federal, estaduais e municipais, somados, equivalem a 0,2% do orçamento total da União (2). Enquanto isso, “o PIB da indústria criativa brasileira chegou a R$ 126 bilhões no fim de 2013, ou o equivalente a 2,6% do total produzido no país naquele ano. Representa avanço de 69,8% em dez anos, acima dos 36,4% registrados pelo PIB nacional no mesmo período, mostra pesquisa da Firjan do fim de 2014.” (3)

Originalmente publicado no Estudo sobre Cultura da FGV. Disponível em:  http://bit.ly/22irlMF

Originalmente publicado no Estudo sobre Cultura da FGV. Disponível em: http://bit.ly/22irlMF

Viabilizar a produção e a difusão cultural desencadeia um processo de ampliação de possibilidades, e permite às pessoas desenvolverem habilidades e terem oportunidades para escolherem aquilo que desejam ser. Até 2015, o INCITI/UFPE, junto ao Ministério da Cultura, desenvolveu o projeto LabCEUs – Laboratórios de Cidades Sensitivas, uma pesquisa-ação com o objetivo de ampliar a conexão entre tecnologia, cidadania e território, ativada em 10 cidades brasileiras com baixos Índices de Desenvolvimento Humano.

Durante um ano, cerca de 90 pesquisadores estiveram envolvidos com um trabalho que teve foco na autonomia e empoderamento da população dessas cidades, estimulando-os a olhar pra dentro num processo de reconhecimento e valorização de suas potencialidades, individuais e regionais. Utilizando ruas e equipamentos culturais como plataformas de compartilhamento e experimentação de ideias sustentáveis e transformações sociais, passamos a colecionar relatos inspiradores das mais de 600 pessoas, das cinco regiões brasileiras, que foram impactadas diretamente, e positivamente, por esta ação.

“Pra mim a ocupação foi a peça que faltava no quebra cabeça da minha vida. Eu queria fazer um curso de makers há um bom tempo. Mas é difícil de encontrar por aqui. A cidade é muito nova, todo mundo se desloca pro DF (Distrito Federal) pra se divertir, estudar, trabalhar… E quando tem, é muito caro.”, Edson Prado, 29 anos, Águas Lindas de Goiás (GO).

“Eu poderia dizer que saí da minha visão de vivenciar o todo-dia e enxergar a riqueza. O projeto nos despertou pros nossos elementos, pra riqueza da nossa comunidade quilombola. E aí vem alguém que mostra uma coisa tão legal e tão simples, que já existe dentro da nossa comunidade, e a releitura dessa tradição que nos possibilita crescer”. Tatiana Ramalho, estudante de Serviço Social, Horizonte (CE).

“Como em muitos outros lugares do Brasil, o CEU está num bairro de periferia, então as crianças nem imaginavam as possibilidades do computador em si. Conhecemos tecnologias novas, que nunca tinham chegado na cidade, como a impressora 3D. Daí eles começam a olhar o computador não só como uma ferramenta pra entrar na rede social e ver email, eles começam a ter um horizonte maior. Quando a gente consegue expandir a mente de uma criança, isso não tem preço”. Acácio Tobias, gestor do Centro de Arte e Esportes Unificados (CEU) de Sertãozinho.

Com tudo isso dito, reiteramos o pedido de grande parte da classe artística brasileira, o coro dos gestores culturais e de muitas pessoas que trabalham com a economia criativa nesse país, muitos hoje engajados em movimentos de ocupações nas sedes do MinC e de seus órgãos, para o retorno à composição ministerial brasileira de um órgão dedicado somente à Cultura e todos os seus inúmeros desdobramentos. Como instituição vinculada à Universidade Federal de Pernambuco, o INCITI acredita nos benefícios de unir as esferas da Educação e da Cultura através de ações de pesquisa e desenvolvimento, mas defende que cada área tem suas particularidades administrativas e potencial de crescimento específicos. O Brasil só tem a perder com a extinção do Ministério da Cultura, uma instituição consolidada nacional e internacionalmente. O argumento de economia para o Estado não procede. A Cultura brasileira está em todas as vielas e avenidas do país: não cabe numa secretaria.

Referências:
1. http://pnc.culturadigital.br/metas/aumento-em-95-no-emprego-formal-do-setor-cultural-2/
2. http://sniic.cultura.gov.br/wp-content/uploads/2015/11/ESTUDO-CULTURA-FGV-Silvia.pdf
3. http://oglobo.globo.com/opiniao/e-cultura-senhores-1-19286778