Por Fernando Castro
A Rede de Desenvolvimento Urbano Sustentável da América Latina e do Caribe (REDEUS_LAC), formada por centros de pesquisa da região, incluindo o INCITI/UFPE, lançou a publicação “El camino de Latinoamérica y el Caribe hacia la sustentabilidad urbana | Reflexión y acción en torno a la Nueva Agenda Urbana de ONU Hábitat”. O livro reúne artigos de pesquisadores da região, incluindo os integrantes do INCITI/UFPE, Werther Ferraz e Fabiano Diniz, que discorrem sobre planejamento, gestão e legislação urbanística, além de aspectos urbanos típicos das cidades da América Latina.
A compilação – lançada dia 11 de fevereiro, durante o 9º Fórum Urbano Mundial (WUF9), em Kuala Lumpur, capital da Malásia – foi elaborada em 2016, no intuito de fornecer uma contribuição regional para a Habitat III – Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Sustentável, iniciativa da ONU-Habitat. A REDEUS_LAC propôs uma divisão temática das contribuições que cada centro de pesquisa deveria apresentar. Ao INCITI, coube escrever sobre uma visão latino americana acerca do tema “Marcos Urbanos e Governança”, que envolve desde as diversas leis e normas que incidem sobre planejamento e gestão do espaço urbano, além dos sistemas de planejamento, gestão e financiamento das políticas de desenvolvimento urbano.
Para compreender melhor o desafio abordado pelo artigo, como foi o processo de produção e a importância do lançamento no Fórum Urbano Mundial (WUF9), fizemos uma entrevista com o pesquisador Werther Ferraz. Arquiteto e Urbanista, Mestre em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutorando em Desenvolvimento Urbano, Werther apresentou uma visão sobre as problemáticas urbanas que o artigo aborda.
Confira:
INCITI: Como se deu o processo de produção do artigo para contribuir com a elaboração de uma agenda sustentável para o desenvolvimento das cidades, a Nova Agenda Urbana, aprovada na Habitat III?
Werther Ferraz: Diante desse desafio, um dos principais enfoques do nosso texto foi destacar alguns aspectos que são típicos (e emblemáticos) das cidades da América Latina, como a enorme proporção de assentamentos informais existentes (favelas, que recebem outras denominações em outros países), e a incompatibilidade dessa realidade com os sistemas “tradicionais” de planejamento e gestão urbana, que parecem baseados em modelos de cidades diferentes da nossa realidade. Ressalta-se a importância que o conceito de “Direito à cidade” adquiriu na América Latina, e que este conceito está fortemente relacionado com as experiências inovadoras de gestão e legislação urbanísticas, como as ZEIS de Recife, que foram pioneiras no reconhecimento da cidade informal dentro do planejamento urbano. O caso do Ocupe Estelita também foi destacado no texto como exemplo de movimentos que buscam romper com o predomínio do capital nos sistemas de governança urbana, e como as tecnologias de comunicação e redes sociais foram apropriadas para reagir a este quadro. Ou seja, mobilização da sociedade a partir de uma comunicação mais efetiva (inclusive com apelo estético e artísticos) sobre os modelos e imaginário de cidades que estamos construindo. Enfim, apontando algumas novas perspectivas para incidir sobre a governança das nossas cidades, pois é evidente que nosso modelo atual não é sustentável.
INCITI: Você fala sobre a questão da informalidade em grande parte dos aspectos da vida na América Latina, desde as interações sociais às atividades econômicas. Que lições – e potencialidades – podem ser tiradas da informalidade?
Werther Ferraz: O principal da informalidade é que ela é a expressão da forma como as pessoas vivem o espaço urbano, ela é mais adaptada à vida das pessoas. Claro que da informalidade também tem a precariedade, mas umas das coisas principais que eu coloquei no texto é que você não pode impor uma forma de viver igual para todos e às vezes é isso que a cidade formal faz. Os conjuntos habitacionais, por exemplo, feitos para a população de baixa renda, às vezes eles não se adaptam a ela. Isso já aconteceu muito em vários lugares. Então a informalidade é a expressão da forma de vida no espaço urbano e que favorece principalmente a interação das pessoas entre si e também a interação das pessoas com o espaço público. Faz parte da expressão da cultura dessas pessoas. Em síntese, a informalidade é a forma urbana e também a expressão física da cultura de um povo, por isso é também uma expressão do povo brasileiro.
INCITI: No artigo você fala sobre ”Planejamento Participativo”. Qual a importância da população se tornar protagonista na sustentabilidade urbana?
Werther Ferraz: Ao trazer o tema do planejamento participativo para o debate acerca de leis e sistemas de governança urbana, busca-se especialmente aprofundar o olhar sobre essa questão, para que não seja apenas um discurso bonito. Na verdade, o grande desafio é tornar operacional o protagonismo da população no planejamento urbano. Pois é bastante complexo envolver a população em formulações mais propositivas sobre a transformação das cidades e não apenas reações às agressões e restrições que a grande maioria sofre no contexto urbano. Para que a população seja protagonista e incida sobre o planejamento e gestão das cidades é necessário primeiro que ela se envolva e se entenda (construa consensos) sobre a visão de futuro das nossa cidades. Acho que esse é um dos pontos centrais que o trabalho do INCITI se destaca.
INCITI: Qual a importância de lançar essa publicação em um evento como o Fórum Urbano Mundial?
Werther Ferraz: Ter um texto em uma publicação lançada no 9º World Urban Forum, em Kuala Lumpur é sem dúvida um privilégio e uma oportunidade para estar inserido em um dos espaços mais importantes sobre urbanismo atualmente. E traz também uma responsabilidade para o INCITI, em ser um dos o porta vozes da América Latina.
A publicação está disponível no site do CEDEUS, confira.