Por Filipe Villar
Na década de 1950, pensadores como Guy Debord criaram a Internacional Situacionista, na França, que discutia as maneiras como as pessoas se comportavam dentro das cidades. As motivações pelas quais escolhiam-se certos lugares e não outros para que acontecessem atividades. Por que certos lugares eram periféricos e mais ‘hostis’ que outros, etc. Durante o resto do século, as discussões sobre os espaços urbanos, após a migração da maioria das populações ocidentais do campo para as cidades, são constantes e diversas, com nuances e questões que surgem de acordo com as mudanças tecnológicas e sociais dentro desses espaços, de acordo com seus contextos particulares.
O grande Recife, enquanto metrópole e centro urbano, possui uma evidente periferia, acentuando um eixo de desigualdade notável entre suas divisões internas – bairros, comunidades, ajuntamentos. A lógica dessas estratificações é pautada economicamente: mais para o centro e para os bairros onde vive a classe média alta, há uma preocupação mais forte por parte do poder público com relação a calçamentos, esgoto, e necessidades básicas para o fluxo e permanência de pessoas. Contudo, essa organização é desumanizada. Passear por um bairro de classe média recifense é se deparar com fortalezas, cercas elétricas, câmeras de vigilância. Um cenário parecido com distopias imaginadas há pouco tempo, como a história em quadrinhos V de Vingança, de Alan Moore, ou o clássico da literatura 1984, de George Orwell. Por que o que era distópico – ou seja, ruim, sinônimo de horror – virou o prático, o lógico, o cotidiano?
Esse questionamento faz uma ponte para outros: esse velho modelo não serve, então nós, enquanto coletividade, precisamos de outra lógica de cidade. De que cidade precisamos? De que cidade precisa uma população desigual economicamente, que confronta a todo instante diferentes realidades? Como ser mais inclusivos, humanos, e tornar o lugar onde moramos uma tradução confortável de nossos anseios enquanto conjunto? Nos últimos anos, as discussões acerca desse tema têm se tornado mais intensas em Pernambuco. Recife é uma cidade com profundas cicatrizes, deixadas por séculos de exploração e desigualdade, e isso se reflete na formas e formas de sua estrutura.
Movimentos como o Ocupe Estelita, que é paralelo a outros movimentos similares, que ocorrem ao redor do mundo, voltam suas pautas para esses questionamentos, batem de frente com forças e interesses que representam modelos desumanizados e velhos de urbanização. Tal qual o clássico do cinema italiano, As mãos sobre a cidade, de Francesco Rosi, que na década de 1960 já discutia os problemas do desenfreado e escuso manejo dos espaços públicos, o que se tem visto é o uso dos lugares dentro da cidade como moeda de troca entre interesses políticos e econômicos, onde uma forma integrada e inclusiva dessa interação é completamente esquecida.
O problema é secular, mundial, complexo. A efervescência de movimentos e organizações de pesquisa, como o INCITI, dentro do Recife são outros frutos do questionamento desse modelo. Desde necessidades mais básicas, como saneamento, a alternativas de lazer ao ar livre, começou-se a – em parcerias entre o privado e o público – buscar alternativas para um pensamento menos opressivo e desigual dessas questões. Uma cidade deve ser salubre, oferecer alternativas que incluam diferentes grupos sociais. Deve dar opções de diversão, comércio, alimentação, que não sejam pautadas somente pelo monetário puro e simples. As pessoas devem se sentir seguras para, retomando um conceito dos situacionistas citados no começo deste texto, derivar – passear para conhecer e sentir o lugar onde vivem -, escolhendo alternativas e territórios pelos quais estejam acolhidos.
Para tudo isso, há toda uma lógica que precisa ser levantada, aliando-se conhecimentos de diversas áreas para que, coletivamente, se conceba não um modelo, mas maneiras de, contextualmente, o Recife e outros ajuntamentos urbanos se desenvolvam de forma a contemplar e amenizar as tensões dentro de seus territórios.