Painel sobre Cidades Resilientes discute a água como elemento chave para as cidades brasileiras

Os conferencistas Pedro Cristo, Maria Adélia Borstelmann, Alexandre Ramos e o moderador Kiev Gama. Foto: Humberto Reis

Os conferencistas Pedro Cristo, Maria Adélia Borstelmann, Alexandre Ramos e o moderador Kiev Gama.
Foto: Humberto Reis

Por Flávia Banastor

“Pensar em cidades resilientes é pensar em cidadãos atuantes e envolvidos por um espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança e na colaboração”. A menção do arquiteto e urbanista, Alexandre Ramos, ao pensamento do cientista político Robert Putnam resume bem o debate acerca do painel Cidades Resilientes, realizado no terceiro e último dia de Urban Thinkers Campus Recife. A atividade ocorreu no Paço do Frevo, envolvendo questões como arquitetura, sustentabilidade, urbanismo de território e saneamento.

Abrindo a etapa das apresentações, o arquiteto Pedro Cristo, do Instituto Sitiê, apresentou o projeto que desenvolve na favela do Vidigal, Rio de Janeiro, através do qual pretende tornar a comunidade do Complexo do Alemão na primeira favela integrada, sustentável e resiliente no mundo. Pedro trouxe dados que apontam para o processo de favelização das cidades como uma crescente na dinâmica de urbanização moderna. “A evolução das cidades passa por dois processos: a integração de tecnologias, saberes e pessoas, e a coleta de resíduos”, aponta.

A professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Maria Adélia Borstelmann, trouxe dados de um estudo realizado em 2006, publicado na Millennium Ecosystem Assessment, que comprovava a situação de suscetibilidade de desaparecimento do Recife devido ao avanço do nível do mar. De acordo com a pesquisa, isto poderia ocorrer como efeito colateral da destruição dos biomas terrestres, uma vez que “60% dos serviços dos ecossistemas estão degradados”. A probabilidade de submersão da cidade também tem como fator chave o desmatamento da Amazônia, que leva ao aumento da temperatura do semiárido, refletindo na alteração do fluxo das águas.

A apresentação do gerente do ProRural – Programa de Apoio ao Pequeno Produtor Rural do Estado de Pernambuco, Alexandre Ramos, abordou a pungência da questão do saneamento em áreas rurais. Ele destacou o caso de vários municípios pernambucanos onde o governo do estado privilegiria o acesso à internet em detrimento da implementação de medidas de saneamento. “Aproximadamente 62% da população rural do Sertão do Araripe não possui banheiros”, ressaltou. O pesquisador afirmou que a mesma situação estende-se à periferia da Região Metropolitana do Recife, “e isto tem interferindo negativamente nos aquíferos da região”.

A ativista do coletivo Direitos Urbanos, Edinéia Alcântara, se colocou a respeito da importância de se registrar as demandas do movimento no documento que será elaborado na constituinte e enviado à ONU: “Quando pensamos os exemplos de resiliência em outras cidades, a gente vê o processo de desenvolvimento do Recife no caminho contrário. O projeto Recife 500 anos não está encarando nossos problemas de frente. Um exemplo gritante é o Projeto Novo Recife. É uma dicotomia. Estamos pensando a cidade do futuro, mas quando o esse futuro chegar, não vamos ter mais cidade. Porque estamos destruindo a cidade no presente. Soluções tecnológicas existem, mas temos que rever nossos padrões urbanísticos e construtivos. Isso tem que constar no documento das Nações Unidas, senão nem vale a pena estarmos aqui”.

Diante do conjunto de informações discutidas no painel, no momento do debates, o público se colocou contrário às politicas públicas que não investem em soluções urbanísticas e arquitetônicas de fato resilientes, no sentido da contenção do avanço das águas no Recife.