Por Denise Resende (Assessoria de Comunicação Social da UFPE)
*Publicado originalmente no site da UFPE e no boletim Pesquisa UFPE
Intitulada “Urbanismo sensível às águas: O paradigma da sustentabilidade na concepção de projetos para recuperação de rios urbanos” e defendida em junho deste ano (2016) no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE (MDU), a tese de doutorado de Anna Karina Borges de Alencar, pesquisadora do INCITI / UFPE, aborda como a ideia de desenvolvimento sustentável vem sendo incorporada na concepção de projetos que visam recuperar seus rios urbanos. A pesquisa conclui que esta perspectiva da sustentabilidade é crescente nos projetos urbanísticos em nível internacional e nacional, mesmo em cidades menos desenvolvidas e com grandes desigualdades sociais, indicando, assim, que o desenvolvimento sustentável das cidades é uma meta possível.
Para a coleta de dados, a pesquisadora explica que foi realizada uma pesquisa documental dos diversos casos desenvolvidos entre 1990 até 2015, com o levantamento bibliográfico e de documentos secundários. Para a análise em questão, foram selecionados os rios Isar, Los Angeles e Medellín, localizados respectivamente na Alemanha, Estados Unidos e Colômbia, além do Plano de Recuperação da Bacia do Rio Cabuçu de Baixo, em São Paulo, e o Plano Urbanístico de Recuperação Ambiental do Rio Capibaribe (Pura – Capibaribe), do Recife.
Cada projeto foi analisado individualmente levando-se em consideração aspectos como as motivações e objetivos, escala de atuação, diretrizes, propostas, atores envolvidos e estratégias de implementação. Para identificar quais fatores relacionados à sustentabilidade eram pertinentes em cada um, a urbanista também analisou comparativamente dados como densidade, índice pluviométrico, precariedade, pobreza, poluição das águas e acesso público e seguro às águas.
A autora da tese identificou que o projeto do rio Isar previa sua renaturalização e a concessão de mais espaço para o curso d’água a partir do alargamento do leito. No outro foco de estudo, o rio Los Angeles surge como catalisador de renovação e resiliência e, para alcançar esse objetivo, estão previstas, dentre outras ações, a conciliação entre geração de trabalho e renda, habitação, comércio e metas ecológicas. Quanto ao rio Medellín, o ponto destacado pelo levantamento era ter o rio como eixo da articulação social dos sistemas ambientais, isto é, recuperar não apenas o rio, mas também o seu entorno, visando em especial, os benefícios sociais.
BRASIL | Sobre os projetos experimentais considerados relevantes e desenvolvidos no Brasil, no plano do córrego Cabuçu de Baixo constatou-se uma pretensão de recuperação tardia do ecossistema, ressaltando-se a necessidade de conservação e proteção da biodiversidade e dos riscos relacionados à inundação. Já em relação ao Plano Urbanístico de Recuperação Ambiental do Rio Capibaribe (Pura – Capibaribe), projeto que teve o maior destaque no estudo, verificou-se a intenção de reintegrar a cidade e o rio. O projeto Parque Capibaribe, no qual a pesquisadora atua, é fruto de convênio técnico firmado entre a Prefeitura do Recife e a UFPE, representado pelo INCITI – Pesquisa e Inovação para as Cidades.
Segundo a pesquisa, neste caso, a reintegração cidade-rio seria possível dentre outras ações através da mobilidade urbana sustentável, espaços livres para recreação e lazer estimulando a vitalidade, segurança e pertencimento na população. “Em especial, essa tese tem relevância para a cidade do Recife por discutir a preocupação contemporânea com as águas urbanas, buscando evidenciar desenhos urbanos que consideram o ciclo urbano das águas de forma a possibilitar o urbanismo sensível às águas”, enfatiza a autora.
Para aporte teórico, a pesquisa utiliza a noção de desenvolvimento sustentável como marco referencial, em busca de uma relação de equilíbrio entre os sistemas naturais e antrópicos, e foi considerado especialmente o tripé da sustentabilidade social, ambiental e econômica, apontado no Relatório Brundtland. “Além disso”, destaca Anna Karina, “durante o processo foram identificados alguns elementos-chave que permitiram a elaboração de uma sentença estruturadora acerca da noção de desenvolvimento sustentável nos projetos de recuperação dos rios urbanos”. E essa recuperação é, segundo a pesquisadora, uma ação que envolve diversos atores e esferas da sociedade.
LACUNA | Estados e municípios, assim como instituições de ensino, costumam solicitar avaliações dos impactos da urbanização sobre os rios. Mas, para Anna Karina, muitos desses projetos não se adequam nem ao desenvolvimento sustentável e nem às regiões menos desenvolvidas. “Esta é uma lacuna que buscamos preencher ao criar uma ferramenta de discussão de propostas para o planejamento urbano e sustentável e, neste caso, a população, a partir de mudanças no comportamento, desempenha um papel importante nesse processo ao se inquietar, cobrar mudanças e fiscalizar as gestões”.
No trabalho, a autora prescreve que uma intervenção que visa à recuperação de um rio urbano precisa de vários atores e pode até partir de iniciativas pontuais da população, “mas necessita que os gestores públicos tomem esta ação como prioritária e que, dentre suas atribuições, e com a participação efetiva de todos os cidadãos, tenha condições de resgatar uma relação harmoniosa com os cursos d´água”.
“Marca dos conflitos entre os domínios do homem e da natureza”
Como ponto de partida para o desenvolvimento da tese “Urbanismo sensível às águas: O paradigma da sustentabilidade na concepção de projetos para recuperação de rios urbanos”, a arquiteta e urbanista Anna Karina ateve-se a investigar sobre “em que medida projetos de recuperação de rios urbanos, ao propor intervenções numa escala espacial (local, municipal ou da bacia hidrográfica), envolvendo majoritariamente a participação (de apenas um tipo de ator, até dois tipos de atores, ou vários tipos) promovem efeitos nos sistemas (natural, construído ou social) num período de (curto, médio ou longo) prazo”.
E a inquietação surgiu da observação de problemas causados pelo crescimento acelerado de metrópoles como Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, quando a pesquisadora percebeu uma necessidade em aprofundar-se no tema. “Por meio dessa pesquisa pude observar e discutir mais de perto as relações contraditórias que se apresentam nas diversas formas de ocupações adotadas pela população, bem como nos diversos planos e projetos desenvolvidos e implantados durante décadas pelo poder público municipal e estadual para o rio Capibaribe no Recife”, afirma.
Anna Karina verificou que “a relação entre cidades e seus rios tem se tornado bastante complexa e, em grande parte das cidades localizadas nas regiões menos desenvolvidas, os rios vêm sofrendo grandes impactos derivados das transformações do meio ambiente em função do processo de urbanização das mesmas”. É assim que a pesquisadora define a relação predominantemente vigente entre as cidades e seus respectivos rios. “Uma relação que um dia já foi harmoniosa, hoje tem a marca dos conflitos entre os domínios do homem e da natureza”.
O estudo aponta, ainda, que entre drenagens e pavimentações e, em nome da expansão das cidades que tem se dado através de projetos estruturadores fortemente centrados nas ações relativas à mobilidade urbana, ocorre a degradação ambiental e supressão dos ecossistemas naturais. As consequências? “Os rios ficam cada vez mais vulneráveis ao despejo de esgoto e todo tipo de resíduos em suas águas, aumentando as inundações e doenças veiculadas pelas águas sempre que o período chuvoso chega, diminuindo a qualidade de vida nas cidades”, atesta a autora.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU)
(81) 2126.8311
Anna Karina Borges de Alencar
anna.alencar@gmail.com