* por Rodrigo Édipo
– Ei rapaz, vai fazer o que aí no meio do mato?
Já estávamos no terceiro dia de imersão na #RESIDÊNCIACAPUNGA (Saiba mais), workshop de urbanismo tático realizado na semana passada pelo INCITI no entorno da Praça João Pereira Borges (Derby-Recife), quando escutei essa pergunta vinda de um menino para uma colega, ambos estudantes da Uninassau. Como no momento eu estava um pouco apressado carregando uma arquibancanda móvel, não deu tempo de escutar a resposta da aluna que estava indo em direção à beira do rio Capibaribe onde estávamos celebrando o final da residência. A partir daí, minha mente foi incitada: para uns, o rio tem um potencial incrível de transformar a qualidade de vida da nossa cidade, enquanto que para outros, o mangue de suas margens é apenas um “mato” sem grandes atrativos.
Por que isso?
Por que nossa cidade foi construída de costas para o rio? Por que o negamos? De onde vem a nossa resistência em nos percebermos indígenas¹ e, por isso, também pertencentes à natureza? Quais os perigos que isso nos reserva? O medo é da cobra, do lagarto ou da revolução natural e silenciosa? Seria fruto da nossa sociedade dualista onde se separa a natureza da cultura, o centro da periferia, os homens das mulheres? Por que algumas pessoas preferem ocupar shoppings, carros com ar condicionado e condomínios fechados ao invés de aprender a ler estrelas, conhecer a direção do vento ou saber quando é tempo de plantar ou colher?
¹ Os involuntários da pátria – Eduardo Viveiros de Castro: http://bit.ly/21fAtkR
“Até a cidade pode ser um belo jardim. Por que não?”
No segundo dia da #RESIDÊNCIACAPUNGA montamos um cinema ao ar livre e assistimos ao filme Por que não o paraíso?, documentário de Laura Tamiana que apresenta o Epicentro Marizá e Marsha Hanzi, precursora da Permacultura no Brasil. Por mais que não estivéssemos naquela residência com o objetivo de montar algum jardim, sequer uma horta coletiva, a ideia era a mesma: cultivo e colheita. De ideias, de sonhos, de realizações.
No nosso caso, o jardim era a rua e sabíamos muito bem o que significavam todas aquelas intervenções. Após dois dias de diagnóstico de problemas e necessidades em consulta aos moradores e transeuntes locais, nossos “jardineiros urbanos” (participantes da residência) se dividiram em 4 grupos que terminaram sendo batizados com os nomes das táticas do projeto Parque Capibaribe: chegar, percorrer, atravessar e abraçar. Todos esses infinitivos para serem pensados em relação ao Capibaribe. Como chegar no rio? Como percorrer o rio? Como atravessar… e por aí vai.
Cada grupo propôs intervenções urbanas diversas: lambe-lambe e stêncil com frases de protesto e de afeto, sinalizações no asfalto que levavam as pessoas para a beira do rio, trilha na margem do Capibaribe, café num quintal perto do mangue, mirante improvisado de cima do estacionamento da Uninassau. A #ResidênciaCapunga também foi uma boa oportunidade para articularmos algumas instituições através de debates que visualizaram soluções para o projeto Parque Capibaribe, como a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Recife (SEMAS), a Uninassau, a CTTU, a Aliança Francesa, o Instituto Pelópidas Silveira.
Por fim, criar um jardim em meio a uma paisagem cinza e muitas vezes hostil não é fácil: a resistência de algumas pessoas do entorno em abrir mão da sua rotina para mergulhar em uma nova experiência de cidade nos frustrou um pouco, mas sabemos que o trabalho em comunidades mais complexas requer tempo e constante diálogo com diversos atores para reconhecimento de lideranças locais que nos ajudem a compreender melhor as necessidades de forma mais eficaz, e assim, atingir uma boa margem de engajamento comunitário.
De qualquer forma, quando se trabalha com a lógica da prototipagem, uma ação emergente com a da #ResidenciaCapunga permite que avaliemos acertos e erros para que possamos aperfeiçoar nossas metodologias de participação social nas próximas intervenções. Desde já, envio saudações aos que toparam se conectar um pouco mais com o rio Capibaribe e os convido para mais uma vez “entrar no mato” conosco nas próximas investidas.
Vídeo feito pela jornalista Manuela Salazar (INCITI/ParqueCapibaribe) em uma das imersões do workshop, no qual mostra mais um recanto natural desconhecido no bairro do Derby.