Debate: Movimentos Urbanos do Recife

Má iluminação, transporte público ineficiente e educação de difícil acesso foram alguns pontos discutos. Foto: Juana Carvalho

Má iluminação, transporte público ineficiente e educação de difícil acesso foram alguns pontos discutos. Foto: Juana Carvalho


Por Ângela Valpôrto

No segundo dia de atividades do UTC Recife, representantes da Ameciclo, Direitos Urbanos, Resiste Santo Amaro, Estelita do Brasil e Action Aid foram para o espaço Viveiro de Ideias, na estrutura geodésica da rua Domingos José Martins, para debater sobre os movimentos urbanos do Recife. Um dos principais tópicos discutidos foi a forma como a administração pública influencia na vivência urbana de uma cidade.

Em todos os lugares, mulheres sofrem agressões físicas, psicológicas e morais no espaço público. A campanha “Cidades Seguras para as Mulheres”, organizada pela ONG internacional Action Aid, mostra como serviços públicos precários colaboram para esta realidade. Má iluminação, transporte público ineficiente, educação de difícil acesso, falta de policiamento e moradias vulneráveis são os tópicos apontados como responsáveis por aumentarem o risco de uma mulher sofrer abuso. Serviços públicos de qualidade são necessários para que as cidades se tornem mais seguras para todos.

O aplicativo “Cidades Seguras”, que possibilita às mulheres apontarem os locais mais perigosos para elas nas cidades, é “um instrumento de pressão para que o poder público aja”, declarou Daiane Dultra, uma das representantes da instituição. Todos os dados coletados pela ferramenta são enviados para o poder público. Já o movimento Estelita do Brasil luta desde o ano de 2012 pelo tombamento da paisagem. De acordo com Sérgio Urt, “o Brasil está sofrendo um verdadeiro ataque das empreiteiras”. No caso da cidade do Recife, o poder público serve como um mero administrador dos interesses privados. A atual situação da Escola Almirante Tamandaré, que atende a 900 crianças residentes no bairro de Santo Amaro, exemplifica bem esse panorama. Apesar de estar em perfeitas condições estruturais, a prefeitura planeja fechar e demolir o local para garantir a construção de prédios luxuosos na área e, dessa forma, restringir o acesso dos mais pobres nos arredores do empreendimento.

Ednéia Alcântara, representante do Direitos Urbanos e do Ocupe Estelita, aponta que o Projeto Novo Recife não oferece segurança às mulheres. Ela indica que um planejamento urbano pautado em estruturas que não dialogam com a cidade acarretam em ruas vazias e abandonadas, ambientes favoráveis para a prática de abusos e violência.

Uma maquete digital do Projeto Novo Recife foi inserida em um óculos de realidade virtual, que propiciou aos participantes do debate uma experiência imersiva. Através deles, era possível observar, em primeira pessoa, a nova paisagem proposta pelas empreiteiras. Tudo que se podia ver eram torres megalomaníacas e uma paisagem que destoa muito da cidade que queremos.

De acordo com Rud Rafael, “quem reabilita a cidade é o sentimento de pertencimento”. Mas como aflorar a pertença em uma cidade que segrega os seus cidadãos? Como as pessoas irão se sentir ligadas ao espaço urbano se vivem confinadas em seus prédios, estacionamentos e shoppings? Como pertencer à cidade tendo medo da rua? Agora, os filhos dessa geração sem vivência urbana são os responsáveis pela gestão municipal e continuam esse legado. Se uma mudança não acontecer, a próxima geração política será apenas uma continuação dos dias de hoje.

Os planos de mobilidade do Recife, que priorizam o transporte motorizado particular, estão na contramão dos planejamentos executados por outras metrópoles ao redor do mundo que, cada vez mais, restringem o uso do carro. A falta de estrutura transforma o simples ato de se locomover de bicicleta em uma prática de risco. “O espaço da rua já tem dono”, conclui Pedro Guedes, representante da Ameciclo. Ele explicita que a lógica colonial de gestão da cidade é a maior culpada por essa situação.

Enquanto as empreiteiras insistem em poluir a nossa paisagem com torres, a realidade da Comunidade do Pilar é bem diferente. Há 14 anos a população aguarda a entrega dos apartamentos prometidos pela prefeitura. A ativista Ana Lira bradou por mudanças e defendeu que o caso deve ser abordado com mais afinco nas rodas de discussão sobre urbanismo. A repressão policial e o preconceito são apenas alguns dos problemas sofridos pelos moradores da região, que são obrigados a conviver com condições de moradia indignas, um espaço urbano completamente fechado para eles e com a invisibilidade imposta A sociedade.

A mensagem que fica é a grande necessidade de um planejamento urbano mais inclusivo e integrado com a rua. O desenvolvimento de uma relação mais afetiva com o lugar em que se vive é a chave para a construção da cidade que queremos.