Sobre cidades, territórios sonoros e práticas cotidianas

por Yuri Bruscky

Os territórios sonoros com os quais nos relacionamos no dia a dia impõem-se como instâncias significativas, sendo experienciados, reprocessados e delineados, como convém, às nossas interações cotidianas e à nossa percepção do espaço no qual nos encontramos imersos. O universo acústico ao nosso redor, tal qual ele é vivenciado e percebido em nossas práticas cotidianas, não se constitui enquanto um epifenômeno ou base metafísica imanente, a qual os indivíduos devem desnudar para alcançar a “verdadeira realidade”, mas de uma estrutura de complexas dinâmicas comunicacionais intersubjetivamente partilhadas.

Esse campo de mediações intersubjetivas configura-se como o âmbito em que se materializam as inflexões que demarcam e caracterizam a expressividade e a relevância cultural dos fenômenos sonoros, através de um processo ativo de apropriação e socialização entre sujeitos, do qual deriva a percepção problematizadora da realidade experienciada no mundo da vida. Assim posto, o campo dos estudos do som exibe traços da disputa pela possibilidade de significação; de articular, mediar e disseminar sentidos socialmente partilhados e legitimados.

O cenário em que essa dinâmica contextual é substantivada por um conjunto variável de fatores, que inclui relações assimétricas de poder, acesso diferenciado a recursos e oportunidades e por mecanismos institucionalizados de demarcação de territórios sonoros a partir de interesses particulares. A complexa rede de práticas e relações estabelecidas nesses campos de mediação possibilitam usos e significações distintas (não raro conflituosas) dos sons com os quais interagimos ativamente nessa escuta-em-situação-no-mundo.

Desse modo, as zonas de construção de sentido ganham corpo em determinados contextos históricos, de relações específicas estabelecidas por sujeitos atuantes em um plano concreto de sua existência material. As inflexões críticas nas cadeias de formulação de sentido surgem num plano de ruptura e contestação no interior de uma construção ideológica, ensejando a possibilidade de embate pela capacidade de significação dos territórios sonoros do cotidiano.

* Yuri Bruscky é artista sonoro, mestre em Mídia, Linguagens e Processos Sócio-Políticos pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Desenvolve pesquisa artística no campo da “música de ruído”, explorando processos de composição eletroacústica, colagens, poesia sonora, gravações de campo e interfaces com outras áreas artísticas. Mantém os projetos Mau Agouro e Duo Esconjuro (com Thelmo Cristovam).